terça-feira, 22 de maio de 2012

No transporte lendo Clarice.
    Há pouco havia começado a ler ‘Paixão segundo G. H.’, quando uma moça perguntou se não poderia segurar minha mochila. Ela tinha cabelos loiros, meio queimados nas pontas, é verdade. Usava óculos estilo Raul e vestia uma calça jeans. Nos joelhos, ressalte-se.  A blusa branca um pouco aberta e com uma flor desenhada nas costas. [A rosa havia sido desenhada  à mão!!! Quem neste mundo de ‘quero agora’ ainda para e desenha algo?]

    Talvez ela não soubesse que eu sabia, mas eu sabia. Havia percebido há alguns minutos que ela observava minha leitura, irrequieta. ‘Por favor, eu agradeço’. Após tomar minha mochila, indagou: ’Você gosta de Clarice?'. Afirmei: ’Sim, ela tem uma linguagem muito boa’. ('Muito boa', meu Deus? Usei  ‘boa’ e matei Clarice. A palavra foi mal dita. Deveria no mínimo ter expressado ‘espetacular, fantástica! Ela explica o universo das personagens por meio das ações, conflitos, crises e pensamentos que as personagens desenvolvem ou sofrem e isso é que me encanta em Clarice. Ela não é simplista com os sentimentos das personas, mas os examina incansavelmente como um perito à procura de provas e rastros. A mulher retira o máximo das palavras, do sentido delas, da semântica, da etimologia, sem esvaziá-las’. Como disse: Deveria assim ter me expressado, mas não o fiz.

    A moça: ‘Tenho livros dessa coleção. Mas são de Chico, Caetano e Vinícius’. Comentei que achava raro encontrar outros jovens que os lessem nos dias atuais. ‘Depende dos locais que você frequenta’, respondeu-me com suavidade.
Ai compreendi toda a situação e toda a verdade. Verdade que foge dos meus olhos distraídos e muitas vezes cegos, displicentes com a realidade.

    ‘Já veio no templo (da Poesia)?’. Eu: ’Não. Tenho muita vontade, mas ainda não vim’.
Mas o que ela queria com tantas perguntas? Senti-me num interrogatório, santo Deus! Ou numa entrevista de emprego. Decerto que a função que ela me ofereceria, eu não queria e não poderia ocupar. Falamos sobre a faculdade. Indagou-me qual curso eu fazia. Alegrou-se. Passamos a debater sobre o hábito (péssimo) de comunicadores sociais não lerem. Ela espantou-se: ‘Que bom hein! Jornalistas que não leem. Ótimo!’. Ela tinha razão.

    Acreditem se quiserem (Façam um esforço, por favor), mas tudo isto se passou em quatro ou cinco minutos. O que acontece em quatro minutos? Mas quem disse que o tempo é absoluto? Meu Deus! Contrai o vírus de indagações sem fim? Despedi-me com um ‘ até logo’, como se eu a fosse encontrar num dos livros de Lispector. Desci do transporte e me senti absorto por Clarice e pela leitura, claro.

    Jefferson Oliveira


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Qualquer comentário indevido será apagado.
Obrigado pela compreensão.